segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A professorinha e a Tecnologia

Eis que a besta assassina da Tecnologia mais uma vez assombra a sala da pobre professorinha. Presa pelos calcanhares à areia movediça da desatenção de seus alunos, a indefesa vítima do próprio despreparo afunda milímetro a milímetro chacoalhando os braços em desespero, competindo em sua irrelevância com celulares de última geração, lan houses tentadoras e convidativas oferecendo jogos hipnóticos capazes de subtrair anos inteiros da vida útil desses jovens e reforçar o estado de desesperança no futuro em que se chafurdam há gerações, tornando-os tão secos de cultura geral quanto qualquer vítima petrificada da terrível Medusa, mp3, mp4,5,8, vídeo games, janelas pop-up e outros vilões.
As tentativas anteriores de usar tais armas em suas classes resultaram em baixas significativas para a auto-estima da professorinha. Agora ela está atrasada com o conteúdo, porque passou aulas inteiras tentando fazer seu novo laptop funcionar, chamando o interesse apenas daqueles pequenos meliantes dispostos a encontrar uma forma de apropriar-se do brinquedo da professora, assim como já fizeram com dinheiro da sua bolsa. Por conselho da própria escola, seu laptop agora está seguro em sua casa, inútil, fazendo-se lembrar apenas por ocasião do vencimento das parcelas do financiamento, adiando consideravelmente o sonho da professorinha de descansar em sua casa própria. Por vezes, ela pensa se não compensará comprar algo de que possa desfrutar ainda depois de paga a última parcela, como um plano de auxílio funeral, por exemplo.
Quem será o destemido príncipe a salvar a coitada das trevas da obsolescência ? Estará o bravo cavaleiro entre seus mestres da graduação e pós-graduação? Lá, ela aprendeu a fazer a back-up e finalmente ver parte de seus projetos concluída. Também descobriu que usar um filme em sala não significava exibi-lo na íntegra para os alunos, consumindo duas aulas inteiras, que poderia trabalhar apenas com parte dele, usando os botões REW, FF, PLAY e PAUSE para selecionar tais partes na frente dos alunos. Na prática, ela também aprendeu que DVDs piratas são muito mais eficientes para tal serviço do que originais, que demoram para abrir o menu, justamente para que a gente fique a par de leis de direitos autorais que não nos interessam, e que a vida útil de um DVD usado em aula é muito curta. Para tanto, ela tem ajuda de uma colega de classe que cobra apenas $3,00 por DVD gravado, já que é para uma amiga, o que compensa mais do que usar seu próprio laptop para tanto, o que despenderia um esforço hercúleo da professorinha no sentido de APRENDER algo novo, o que realmente ela não tem tempo de fazer, afinal são trabalhos, monografias, leituras, tantas coisas necessárias para que ela realmente possa se considerar uma especialista no que faz...
Ainda assim, e apesar da tenra idade, a donzela ainda parece uma anciã ao lidar com tais tecnologias. Em comum com seus alunos, ficou o gosto por sites de relacionamento, em que ela pode ficar horas e horas esquecendo-se da tortura vivida diariamente, infligida por algozes que ela ainda não sabe quem são. Quando ela se desconecta do mundo rosa de seus perfis na net, ela volta a viver o pesadelo da vida real da sala de aula e ainda chama pelo príncipe encantado que virá salvá-la em seu cavalo branco, levando-a ao reino encantado onde não há blogs, twitters, msns, vírus, hackers, e-mails, e vivendo, como talvez já viva, feliz para sempre.

Kleber Garcia

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